Esperei um pouco para a poeira assentar. Analisei todos os fatos, as notícias, o que foi publicado e as manifestações sobre o assunto. Queria ser justo e ponderado em minhas assertivas quando fosse apresentar o meu ponto de vista quanto ao assunto.
Mas quer saber a verdade? Essa espera só me serviu para ampliar a minha decepção com todos aqueles que de alguma forma, tentaram usar a ascensão do Iranduba no Brasileirão feminino como um elevador. E ao final da batalha travada em Santos no último sábado, ou não falaram o que deveriam ter falado ou simplesmente se calaram.
Eu estava sábado à noite no meu querido bairro da Aparecida, em frente ao “Refúgio do Hulk”, onde mais que 400 pessoas estavam atentas as imagens projetadas em um telão. Estavam com a camisa do Iranduba, de outras agremiações amazonenses e ainda havia torcedores com a camisa do Vasco da Gama e do time rubro-negro (por mais incrível que pareça) torcendo e sofrendo lado a lado, mesmo depois do dantesco episódio que mais cedo havia ocorrido na capital carioca. Simples assim. Não havia ódio entre eles, pois naquele momento, eram amazonenses e pronto.
Esse público viu e sentiu o que é ter um clube garfado! Me desculpem os que não concordam comigo, mas o time amazonense foi sim prejudicado pela arbitragem paulista de forma descarada. Dizer que nada disso aconteceu seria brincar com a inteligência daquelas mais de 400 pessoas que estavam ao meu lado, além de tantos outros torcedores nas suas casas, acompanhando pela TV, internet, rádio, ou mesmo presentes in loco em Santos.
Em todo caso, é vida que segue. As Guerreiras do Amazonas (como essa denominação encaixou bem) deixaram a competição sendo superadas no placar pelas Sereias da Vila, mas não foram vencidas. Verdade seja dita, poderia o time amazonense ter resolvido as coisas aqui em Manaus se tivesse um pouco mais de atenção, mas nem tudo acontece como se planeja ou sonha. Não era para ser dessa vez e pronto, mas valeu demais
Depois dessa histórica campanha, as jogadoras do Hulk da Amazônia conseguiram se equiparar em destaque a José Aldo e Antonio Pizzônia, quando conseguiram atrair os holofotes da mídia no esporte, inclusive da “Vênus platinada”. O Iranduba foi a equipe amazonense de futebol (feminino e masculino), que conseguiu ir mais longe numa competição de primeira divisão.
Mas nem tudo foram flores. Essa caminhada começou com uma equipe quase sem importância para a mídia e para o público. Poucos acreditavam que esse “patinho feito” poderia se transformar num “belo cisne” como acabou acontecendo. E depois que essa transformação se tornou tão evidente, ao ponto de ser impossível ignorá-la, aparece do nada alguém dizendo que apoiava e dava visibilidade ao Iranduba e suas jogadoras. Mas depois daqueles fatos públicos e notórios, que foram testemunhados por inúmeros espectadores no jogo de volta da semifinal contra o Santos, quase nada disseram ou simplesmente se emudeceram. Para onde foram aquelas vozes que enalteciam o futebol das meninas do Hulk?
Pior que isso. A Federação Amazonense de Futebol (com todo respeito ao seu presidente) está cega, surda, muda e paralítica, pois não moveu uma palha, não disse uma palavra, não escreveu uma linha sobre esse verdadeiro ato circense da arbitragem de São Paulo. Por muito menos vi federações do Pará, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Bahia e Minas Gerais publicarem uma nota de repúdio a respeito de fatos similares. Mas não aqui. A nossa arbitragem é exemplar no que diz respeito a não dar margem a qualquer interpretação de favorecimento ao time local. Mas lá (São Paulo) pode ser parcial? Algo está errado.
Lamento muito por esse espírito de colonizado (com todo o respeito àqueles que não se acham dentro desse contexto). Uma mutação do chamado complexo de vira-latas, postulado por Nelson Rodrigues, que ainda está incorporado em muitas pessoas da mídia e da administração do futebol local. Para a mídia, certo é que deve existir não uma máscara da imparcialidade ou apenas o cumprimento de um mero protocolo, pois divulgar a informação mais próxima da verdade é uma obrigação e não um favor. Muita gente que teve as imagens à sua disposição e também a qualquer especialista em arbitragem, chegaria à conclusão que o time amazonense foi prejudicado.
Não aceitei esse acautelamento. Não concordei com essa ilha de silêncio que se transmutou a mídia local. Muito diferente do que acontece no vizinho Pará, mas compreendo às suas origens e temo que seja muito difícil uma mudança radical, mesmo que o Iranduba fosse a final do Brasileirão feminino. Isso porque esse comportamento é aquilo que se esperaria de alguém que não roeu os ossos, pois só gosta de saborear o filé mignon. O que se evidenciou com a presença maciça da mídia local na Arena da Amazônia, de muita gente que não sabia o mínimo sobre o time amazonense.
Jogadoras e dirigentes do Iranduba, não abaixem as suas cabeças. Como disse anteriormente, o Hulk da Amazônia não foi derrotado. Inspirem-se na "Canção do Tamoio" do poeta Gonçalves Dias:
“Viver é lutar. A vida é combate, que os fracos abate, que os fortes, os bravos, só pode exaltar”
A luta ainda não acabou e sabemos que todos vocês enfrentam, não somente os adversários em campo, mas outros que fora de campo atormentam a harmonia do seu dia-a-dia como atleta, como cidadão, como homens e mulheres. Com certeza guerreiras e guerreiros:
“Um dia vivemos! A mulher e o homem que são fortes, não temem da morte. Só temem fugir”
Vocês não fugiram da luta e deram orgulho pra esse sofrido e até esquecido povo amazonense.
Tive a honra e o privilégio de testemunhar os seus feitos.
Tenho a felicidade de me sentir mais amazonense com o Iranduba.
Terei a minha esperança renovada em acreditar novamente, que um dia, poderemos exorcizar esse espírito de colonizado que ainda assombra nosso Estado.
Beto Tavarovsky
Jornalista/Radialista